Casava-me assim é um exercício poético, um alongamento de imaginação, que aqui é praticado todas as semanas.
Hoje dou palco à Alexandra Barbosa, artista gravadora e criadora de estacionário de casamento, que assina como A Pajarita. Conhecemo-nos há pelo menos meia-dúzia de anos, partilhamos trabalho quinzenalmente e conversamos muito. No seu belíssimo estúdio na Póvoa do Varzim, a Alexandra convida-nos a descobrir o fascínio pelos papéis artesanais, a matéria em que expressa a sua alma de artista, seja através de xilogravura ou aguarela. Ocorre-me a frase que li ontem, sobre o fotógrafo John Dolan: “an artist who chose weddings as his subject, fascinated by the complexity of this shared ritual.”
N’A Pajarita, a Alexandra coloca o processo artístico (o conhecimento, a ideia, o gesto) ao serviço dos noivos, através de convites, ementas, marcadores de mesa, pequenas ofertas, livros de votos ou missais. É um prazer desvendar as técnicas, processos e acabamentos destas peças tão singulares, de uma beleza discreta e intrigante.
“Este foi um delicioso e irresistível convite – como seria o meu casamento hoje, real ou imaginado, à luz do que faço, daquilo de que gosto, da minha experiência, maturidade e contactos, da minha própria evolução de estilo e expectativas?
Excelente exercício, não vos parece? Sem constrangimentos de imaginação ou orçamento (e sem qualquer arrependimento por corrigir), peguei no tema com uma folha em branco. E nesta liberdade total imaginei o meu (nosso…!) bonito dia.
Se voltasse a casar, escolheria um dia frio de inverno, e uma paleta em tons de pérola, rosa blush, verde e apontamentos de amarelo. Seria um casamento intimista, como realmente foi, e com o mesmo noivo. Não se mexe no que foi perfeito!
Claro que começaria pelo meu elemento favorito, o estacionário. Escolheria um papel feito com puro algodão, generoso e macio, ideal para receber uma xilogravura, a minha expressão máxima como artista. Acrescentaria umas pinceladas de aguarela, que dariam cor e calor ao conjunto e tiraria proveito da sobreposição de papéis e texturas.
Para o meu look, escolhi um macacão simples, estruturado e ajustado. Uma peça singela e receptiva a um volumoso casaco, com mangas expressivas e predominantes. Adoro mangas volumosas e extravagantes! Para calçar, optava por umas sandálias abertas com um detalhe em volume que iria complementar a simplicidade do macacão quando pousasse o casaco para dançar.
A maquilhagem seria muito natural, e escolhia uns brincos pequeninos e preciosos.
O bouquet de noiva seria desestruturado, com heléboros, uma bela flor que floresce no inverno quando todo o jardim parece estar adormecido. Assim, ficaria prontíssima para voltar a dizer o “sim”!
Para a festa intimista, escolheria um espaço com história – bucólico, amplo e de tectos altos.
Com uma única mesa, longa e ondulante, abraçada por apontamentos florais que brotam do chão, feitos de flores variadas como um jardim a despertar de um longo sono de inverno, aos primeiros sopros de calor da primavera que se anuncia. Em destaque, a beleza direta e audaz, sem pedir licença, dos heléboros.
Para as nossas fotografias, criaria um pequeno cenário com telas pintadas por mim e rodeadas de natureza despreocupada e livre – um jardim, dentro de um jardim.”
Ufa, quanta beleza delicada! E a gravura em papel de algodão, tão nítida, tão táctil, é um objecto de desejo. Este gosto refinado que une, sem esforço, um universo orgânico e natural a uma visão contemporânea e até modernista, é um dos traços de assinatura da Alexandra Barbosa que mais aprecio. É uma liguagem de sofisticação, subtil, que apela aos sentidos e nos puxa e prende…
(Este artigo é publicado em simultâneo no belíssimo blog d’A Pajarita, que vos convido a descobrir).
Acompanhem estes exercícios muito criativos e inspiradores que acontecem sempre à sexta-feira, seguindo esta rúbrica. Já por aqui passaram o fotógrafo de casamentos Gustavo Simões, a artesã Sílvia Pontes e, na próxima semana, recebo a Cati, especialista em cabelo e makeup de noivas. Só vos digo isto: que estilaço!!